A primeira confraria de vinhos do Brasil
fundada em 1980


O VINHO NA ÁFRICA DO SUL

Por Sergio Bonachela – 

02.06.2014. 

INTRODUÇÃO – 

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O continente africano tem 54 países independentes. De acordo com as estatísticas da FAO de 2011, só oito produzem vinho: África do Sul, Argélia, Marrocos, Tunísia, Madagascar, Egito, Zimbábue e Etiópia. A maioria desses países produz pequenas quantidades de vinho simples. A África do Sul, porém, é muito diferente dessa maioria.

 

Maior e mais desenvolvida economia da África, é o maior produtor mundial de ouro, o sexto maior de diamante natural e o sexto país com a maior biodiversidade do mundo. É também o oitavo maior produtor mundial de vinhos e o sexto maior exportador, conforme os dados de 2013 da OIV (Organisation Internationale de la Vigne et du Vin). Mesmo assim, mais de 20% das uvas colhidas na África do Sul não se destina à produção de vinho. O país está entre os maiores produtores mundiais de destilados de vinho (“brandy” ou brande) e de suco de uva.

O panorama da produção de vinhos na África do Sul está em rápida evolução, com o surgimento de novas áreas de plantio, novos investimentos e novos empreendimentos. A indústria vinícola sul-africana dispõe hoje de alta tecnologia. O país é um dos maiores e mais procurados fornecedores mundiais de mudas de videiras, produzidas com o uso de avançados métodos de clonagem, resultando cepas mais sadias e resistentes às pragas.

 

HISTÓRIA

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A história da África do Sul, desde a sua descoberta pelo navegador português Bartolomeu Dias, em 1488, sempre foi diferenciada em relação aos demais países da África negra. De um lado, por razões históricas e geográficas, pois está localizada em um ponto que se tornou estratégico desde o final do século XV, por estar no caminho das rotas comerciais marítimas para o Oriente. De outro lado, por razões estritamente econômicas, depois da descoberta, no século XIX, de importantes minas de diamante (1867) e de ouro (1884).

 

Essa situação única no continente resultou numa colonização européia disputada e, muitas vezes, em conflitos armados entre colonos de origens diversas. A forte presença de colonizadores brancos, especialmente holandeses, franceses e ingleses, num território ocupado por tribos negras, como os xhosa, os khoisan e os zulus, originou, desde muito cedo, uma tendência cultural à segregação racial, que se tornaria política de Estado ainda na fase colonial.

 

A trajetória do vinho sul-africano começou em 1652, quando o primeiro comandante da guarnição que mais tarde daria origem à cidade do Cabo, Jan van Riebeek, mandou vir da França as primeiras mudas de “vitis vinífera“. Como alto funcionário da “Companhia Holandesa das Índias Orientais“, ele pretendia produzir vinho de qualidade para combater o escorbuto entre os marinheiros da empresa que ali passavam a meio caminho entre a Europa e as especiarias do Extremo Oriente. Sete anos depois, com o auxílio de escravos malaios, malgaxes e moçambicanos para cultivar os já extensos vinhedos do Cabo, cujo espaçamento era estreito demais para ser trabalhados por arados puxados por animais, o vinho foi produzido pela primeira vez, provavelmente das castas Chenin Blanc (conhecida na África do Sul como Steen) e Muscat d’Alexandria (lá conhecida por Hanepoot).

O sucessor de Riebeek, Simon Van der Stel, iniciou em 1679 a cultura da vinha na região vinícola mais famosa da África do Sul, que receberia o seu nome: Stellenbosch, que significa “Bosque de Stel” (foto). Também plantou vinhas pela primeira vez em Constantia, em 1685, um dos principais distritos de vinhos do país até hoje.

Constantia deu nome a um vinho doce, baseado na uva Muscat de Frontignan, que viria a ser famoso na Europa no século XVIII, contando com ilustres apreciadores, como Napoleão Bonaparte, Luís XVI e Frederico “o Grande”, e merecendo citação de diversos romancistas de renome, como Dickens, Baudelaire e, mais recentemente, E. L. James (“Cinquenta Tons Mais Escuros“). Esse vinho, que deixou de ser produzido em 1885, depois de o governo do Cabo comprar a propriedade, foi “ressuscitado” em 1980, quando uma parte das terras originais de van der Stel foi comprada pela família Jooste, formando a vinícola Klein Constantia (“Pequena Constantia“). Chamado “Vin de Constantia“, é produzido de safras reduzidas de uvas supermaduras, fermentadas lentamente, envelhecido em barris de carvalho e engarrafado em réplicas das garrafas do século XIX, de 500 ml (foto).

Durante os séculos XVII e XVIII a colonização do sul da África manteve-se predominantemente nas mãos dos holandeses. Nesse mesmo período, a Holanda e a Inglaterra travaram uma feroz disputa pelo controle das rotas marítimas para o Oriente (que a esta altura já não era mais dos portugueses), da qual a região do Cabo era importante elemento. Essa disputa acabou conhecida por “Guerras Anglo-Holandesas” (a última delas entre 1781 e 1784), terminando com a vitória dos ingleses. A Companhia Holandesa das Índias Orientais, que chegou a ser a mais rica companhia privada do mundo no final do século XVII, passou a enfrentar graves problemas financeiros decorrentes desse mesmo conflito e foi liquidada em 1799.

 

A Holanda (então “República das Sete Províncias Unidas dos Países Baixos”), enfraquecida militarmente após a longa disputa com a Inglaterra, acabou ocupada pela França revolucionária em 1795 e anexada por Napoleão Bonaparte em 1810. Aproveitando-se da situação, a Inglaterra invadiu diversas colônias holandesas pelo mundo, entre elas a do Cabo, definitivamente ocupada em 1806. A partir desse momento, os conflitos no Cabo passaram a envolver os colonizadores britânicos e os colonos de origem holandesa e francesa, de religião calvinista, os bôeres. Esses últimos, ressentidos com as imposições dos governantes britânicos, entre elas a abolição da escratura sem indenização, em 1835, passaram a colonizar o interior da África, fundando o Transvaal e o Estado Livre de Orange.

 

No século XIX, quatro eventos seguidos praticamente arruinaram a indústria vinícola da África do Sul: a remoção das barreiras tarifárias britânicas para o vinho francês (que décadas antes haviam sido impostas em represália à Revolução Francesa), em 1861; a praga da filoxera, em 1866; a superprodução decorrente do replantio dos vinhedos que se seguiu a essa praga; e a Segunda Guerra dos Bôeres (1899-1902), que opôs os bôeres ao exército inglês (a serviço dos interesses britânicos pelo controle das minas de ouro e diamante) e acabou dando à África do Sul a sua forma definitiva, com a dura vitória dos ingleses e a anexação, negociada, das repúblicas bôeres do Transvaal e de Orange às colônias britânicas do Cabo e de Natal.

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Em 31/05/1910 foi criada a União da África do Sul, domínio do Império Britânico, cuja única língua oficial era o inglês e onde os negros não tinham direito a voto. Os sul-africanos adquiriram autonomia interna, mas ainda estavam subordinados à coroa britânica quanto à política externa e o comércio exterior. Tendo desenvolvido um regime político e social racista, no qual as reivindicações de igualdade da maioria negra eram violentamente reprimidas, a União da África do Sul foi objeto de ampla condenação internacional, até mesmo da Inglaterra. Em resposta, os brancos sul-africanos decidiram, em plebiscito realizado em 05/10/1960, separar-se completamente do Reino Unido e da comunidade britânica de nações (“Commonwealth”). No dia em que a União da África do Sul completaria 51 anos de existência, em 31/05/1961, foi proclamada a República da África do Sul, na qual o chefe de Estado não mais seria o monarca britânico, mas um presidente eleito.

 

Para reverter a trágica situação da indústria vinícola, que resultou até mesmo no descarte de milhares de litros de vinho invendável em rios e córregos, o governo sul-africano subsidiou fortemente a criação de cooperativas poderosas no início do século XX. O objetivo era estabilizar os preços do mercado interno reduzindo a produção por meio de um sistema de cotas, em vigor de 1957 até 1991. O sistema de cooperativas, fase mais marcante da história da indústria vinícola da África do Sul, também garantiria a aplicação da legislação, conquistaria mercados e estimularia a demanda.

Uma dessas cooperativas recebeu da legislação um papel preponderante: a Ko-operatieve Wijnbouwers Vereniging van Zuid-Afrika (“Cooperativa da Associação dos Viticultores da África do Sul“), a gigantesca KWV (foto), sediada na cidade de Paarl. Enquanto vigorou o sistema de cotas, praticamente não era possível produzir, distribuir ou adquirir vinhos na África do Sul sem a intermediação da KWV. Cabia a ela determinar os preços mínimos de todos os vinhos produzidos no país e administrar o sistema de cotas de produção, estipulando quem podia produzir e quanto.

O sistema de cooperativas resolveu o dramático problema da superprodução e da queda de preços, mas também inibiu os avanços da viticultura. Ao assegurar mercado praticamente para todos, a ação das cooperativas desestimulou a invenção tecnológica e a busca pela qualidade. Além disso, o sistema de cotas limitou a exploração de novos distritos vinícolas e a quarentena para importação de novas mudas restringiu as experimentações.

Em vigor na mesma época do sistema de cotas, a partir de 1948, a política de segregação racial, denominada “apartheid“, resultou num amplo boicote internacional à África do Sul, que impediu o acesso da produção vinícola local ao mercado externo. Somente a partir do desmantelamento dessa política, iniciada em 1990 e consolidada em 1994, com a eleição à presidência da república de Nelson Mandela, apreciador e incentivador da vinicultura local, é que o vinho sul-africano começou a aparecer com frequência nas cartas dos restaurantes e no portfólio das lojas de vinho pelo mundo.

Foi a explosão de uma grande demanda reprimida. De 28 milhões de litros em 1991, a África do Sul passou a exportar 218 milhões de litros de vinhos em 2002, contando com o apoio da desvalorização da moeda local (“Rand“) e do bom marketing de organizações como a “Wines of South Africa” (WOSA). Em 1976, havia 70 cooperativas e 35 empresas particulares produzindo vinho. Hoje, há mais de 200 vinícolas, geralmente elaborando pequenos lotes de vinhos de maior qualidade, e cerca de 60 cooperativas, que ainda controlam a maior parte da produção (83%).

A KWV deixou de exercer o papel regulador a partir de 1997, quando foi transformada em empresa, tendo sido privatizada em 2002. Ela ainda controla boa parte do setor vitivinícola sul-africano, mas sem o poder de antigamente. Hoje em dia, suas atividades incluem a exploração de vinhedos e a produção de vinhos de todos os tipos, incluindo fortificados ao estilo porto e jerez, além de vinhos doces não fortificados e destilados de uva.

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GEOGRAFIA

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A África do Sul, com uma área um pouco menor do que a do Estado do Pará (1.221.000 km2), está dividida em nove províncias: Cabo Ocidental, Cabo Setentrional, Cabo Oriental, Estado Livre, Kwazulu-Natal, Noroeste, Gauteng, Mpumalanga e Limpopo. Possui 3.798 km de costa, sendo a única área vinícola do mundo entre dois oceanos, o Atlântico e o Índico, delimitados pelo Cabo das Agulhas, a extremidade mais meridional da África. Se as previsões dos climatologistas estiverem certas, de todos os países produtores de vinho do Novo Mundo, a África do Sul será o menos afetado pelas mudanças climáticas globais.

O território do país está situado nas proximidades do paralelo 40º latitude sul, bem no meio da faixa considerada mais adequada à cultura da videira (de 30 a 50º). Os vinhedos sul-africanos tem clima mediterrâneo, espécie de clima temperado com verões quentes e secos e invernos frios e úmidos. O calor do interior do continente é atenuado pela fria corrente marítima de Benguela, vinda da Antártida. No verão, o Vento “Cape Doctor“, vindo do sudoeste, resfria os vinhedos e ajuda a prevenir doenças.

Os vinhedos se concentram no sudoeste do país, nas províncias do Cabo Ocidental, Cabo Oriental e Cabo Setentrional. Em virtude dessas características geográficas, quanto mais ao sul, junto ao litoral, mais o clima é frio e úmido, dispensando irrigação e dando origem a vinhos de maior qualidade, especialmente nas encostas elevadas, mais protegidas do sol; quanto mais ao norte, longe da costa e da influência moderadora do oceano, mais o clima é quente, precisando de irrigação e originando vinhos mais pesados ou fortificados. O Cabo tem a geologia mais antiga do mundo vinícola, com solos antigos e desgastados baseados no granito, no arenito ou no xisto.

 

 

LEGISLAÇÃO

 

A legislação vinícola foi promulgada em 1972, com a criação do “Wines of Origin System” (WO). O objetivo principal do sistema de indicação de origem é definir áreas de produção, chamadas na legislação de “unidade de produção demarcada“, que emprestem um caráter único para o vinho e que aportem melhor qualidade do que outras para tipos específicos de vinhos.

A primeira e menor unidade de produção demarcada é o vinhedo único (“single vineyard“), que não pode ter mais de seis hectares. A segunda unidade de produção é a propriedade vinícola (“estate wine“), podendo incluir propriedades vizinhas, desde que exploradas conjuntamente e que o vinho seja produzido no local. A terceira unidade de produção é a área (“ward“), uma combinação de diversas propriedades, como Devon Valley e Simonsberg-Paarl; pode fazer parte de um distrito ou não. A quarta unidade é o distrito (“district“), cujas fronteiras seguem as divisões geopolíticas; pode fazer parte de uma região ou não (como é o caso de Ceres Plateau, que não faz parte de nenhuma região), assim como pode conter áreas ou não (como acontece com Franschhoek Valley, que não contém nenhuma área – “ward“). A quinta unidade é a região (“region“).

As maiores unidades de produção demarcadas são as unidades geográficas (“Geographical Unit“), criadas em 1993, seguindo aproximadamente a divisão política do país em províncias. Praticamente todo o país foi dividido em unidades geográficas: Cabo Ocidental, Cabo Oriental, Cabo Setentrional, Kwazulu-Natal e Limpopo. Porém, só a primeira já está razoavelmente desenvolvida, ou seja, já possui diversas regiões, distritos e áreas demarcadas. Novas áreas de produção estão em constante análise para demarcação.

Com o tempo, a legislação foi incluindo a previsão da escolha de mudas, variedades de cepas, tipo de condução, métodos de vinificação, categoria de equipamentos e provas laboratoriais e organolépticas completas. Para poder constar do rótulo, os vinhos para exportação devem conter 85% da cepa (entre as 60 permitidas) e da safra indicadas e 100% de uvas do lugar de origem indicado. Nenhum vinho pode ostentar o selo de “Wine of Origin” se não passar por análises e degustações oficiais. Em 2002, 44% dos vinhos da África do Sul eram certificados.

É permitida a irrigação, mas proibida a chaptalização (adição de açúcar ao mosto para aumentar o grau alcoólico do vinho a ser obtido). Para poder constar do rótulo, as uvas de cada casta a serem utilizadas nos blends devem ser vinificadas separadamente, mencionando-se primeiro a de maior participação.

 

 

CASTAS

 

A produção ainda é, majoritariamente, de uvas brancas (55%). As três castas viníferas mais plantadas são a Chenin Blanc (foto) – da qual a África do Sul é a maior produtora mundial, embora a área plantada esteja em rápido declínio -, a Colombar (Colombard) – ambas mais utilizadas na produção de brande do que de vinho – e a Sultana (muito utilizada para passas e uvas de mesa). Para produção de vinhos finos, tem aumentado a área cultivada de Chardonnay (a quarta casta branca mais cultivada), Sauvignon Blanc e Riesling (chamada localmente de Cape Riesling, Rhine Riesling ou Weisser Riesling). No entanto, depois de muita experimentação, a África do Sul produz agora alguns dos melhores vinhos brancos de Chenin Blanc fora do Vale do Loire.

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Alguns autores sustentam que a Cape Riesling e a Riesling não são a mesma casta, provavelmente duvidando que a mesma variedade possa resultar em vinhos tão diferentes. Para eles, a Cape Riesling é a Crouchen Blanc, francesa. O Catálogo Internacional de Variedades da Vitis Vinifera (“Vitis International Variety Cataloghe”), registra todas essas cultivares como sendo uma só.

 

Cresce a produção de uvas tintas, principalmente Cabernet Sauvignon, Shiraz (Syrah), Pinotage, Merlot, Cinsault, Ruby Cabernet, Cabernet Franc e Pinot Noir. Em apenas dois anos, de 1990 a 1992, a proporção das uvas tintas na área total de vinhedos cresceu de 15,5 para 39%.

A mais característica casta de vitis vinífera plantada na África do Sul é a “Pinotage” (foto), cruzamento obtido em 1925 por Abraham Izak Perold, professor de Viticultura da Universidade de Stellenbosch (AFS), tentando combinar o refinamento e a complexidade da Pinot Noir com a robustez da Cinsault, que era chamada na África do Sul de Hermitage.

 

Ao contrário do que se pode imaginar, foi preciso décadas de insistência e pesquisas até que a Pinotage estivesse desenvolvida ao ponto de resultar em vinhos comercializáveis, sem muitas variações e sem odores desagradáveis, e mais tempo ainda para que a qualidade atingisse níveis internacionais. Até a vinificação foi pesquisada, descobrindo-se que a fermentação deveria ocorrer numa temperatura maior do que a usual.

 

Outro cruzamento de “vitis vinífera” característico daquele país é a Ruby Cabernet, criada em 1936 por Harold Olmo, professor de Viticultura da Universidade de Davis (USA) e criador, mediante cruzamentos, de mais de 30 variedades de videira. O cruzamento do qual resultou a Ruby Cabernet, que dá origem a vinhos bastante simples na África do Sul, visava mesclar a qualidade da Cabernet Sauvignon com a resistência ao calor da Carignan.

 

 

VINHOS

 

Produzem-se todos os estilos de vinhos na África do Sul, de espumantes a fortificados, de vinhos encorpados e exuberantes até os mais elegantes e sofisticados. Os especialistas costumam dizer que são os vinhos do Novo Mundo mais próximos do estilo de vinhos do Velho Mundo, porque tem a estrutura e o comedimento destes com a intensidade de fruta daqueles. Os cortes estão ganhando terreno na predileção dos consumidores, mas os varietais ainda são os preferidos.

Existe uma pequena produção de espumantes, principalmente de Sauvignon Blanc e Chenin Blanc, com crescente participação de Chardonnay e Pinot Noir. O método clássico é chamado de “Méthode Cap Classique” (MCC) para evitar o uso do termo “Champenoise” ou “Champagne“, por pressão do Comitê Interprofissional do Vinho de Champagne, da França. Também é utilizado o método “Charmat”, lá conhecido como “Tank Method“. Os espumantes MCC geralmente são feitos à base de Chardonnay e Pinot Noir, embora alguns produtores usem também a Pinot Meunier e outros a Chenin Blanc ou mesmo a Pinotage. Existe também o MCC tinto, de Shiraz e Pinotage.

De um modo geral, os vinhos sul-africanos ainda não tem um estilo definido, pois vários dos mais importantes vinhedos são muito recentes, sem um terroir definido, e os vinicultores ainda estão se desenvolvendo e adotando as técnicas mais modernas de irrigação e de vindima, bem como uma filosofia de produção mais orgânica, que permita aos vinhos expressar sua procedência. A vinificação também tem sido aperfeiçoada, seja pela adoção de alta tecnologia, como a micro-oxigenação e a fermentação em barricas, seja pela confiança para retomar métodos tradicionais, como a fermentação em grandes cubas de madeira e a vinificação natural, sem adição de leveduras cultivadas (isto é, permitindo a fermentação espontânea com as leveduras selvagens, naturalmente presentes no vinhedo) e sem a adoção de métodos de clarificação do vinho (retirada de sólidos em suspensão, para aumentar a limpidez da bebida e reduzir sedimentos), como a colagem ou a filtragem.

 

 

ÁREAS E PRODUTORES

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As regiões vinícolas mais famosas formam um anel em torno da Cidade do Cabo: Constantia, Franschhoek, Paarl (foto) e Stellenbosch. Novas regiões estão surgindo, sendo mais promissoras aquelas próximas ao litoral, como Baía Walker, Elgin e Baía Mosel, especialmente na produção de Sauvignon Blanc. Entre os tintos, a variedade mais promissora é a Shiraz.

Simplificadamente, as regiões vinícolas podem ser agrupadas em quatro áreas: Costa Oeste; Costa Sul; interior; e região da Península do Cabo.

A Costa Oeste era dominada por cooperativas e pela produção de grandes volumes de vinho barato. Hoje em dia já se vê investimentos em novas bodegas para produzir vinhos de qualidade. Nessa área se destacam a Região de Olifants River, a Zona de Cederberg e os Distritos de Swartland, Darling e Tulbagh. Alguns dos produtores mais destacados são Cederberg Cellars, Kloovenburg, Sadie Family Wines, Darling Cellars, Groote Post e Rijk’s Private Cellar.

A Costa Sul contém áreas de temperaturas mais frias e abriga vinícolas cujo único objetivo é a qualidade. São bons exemplos os Distritos de Overberg, de Elgin (com o cultivo de Sauvignon Blanc) e de Walker Bay (Pinot Noir). Alguns dos produtores destacados são Bouchard Finlayson, Hamilton Russell Vineyards, Newton Johnson e Paul Cluver.

O interior apresenta áreas muito quentes. Klein Karoo, com clima quente e seco parecido ao do Douro, em Portugal, tem fama pela produção de vinhos fortificados ao estilo do porto, em especial no Distrito de Calitzdorp (foto), a capital do “Porto” sul-africano. A palavra “Porto” tem sido substituída por “Cabo“, por pressão da Comunidade Européia (especialmente Portugal), daí nomes como “Cape Tawny“, “Cape Vintage“, “Cape Late Bottled Vintage” etc. Hoje em dia com a inclusão no corte da cepa “rainha” do vinho do Porto, a Touriga Nacional, os “Portos” do Cabo, mais frutados e um pouco menos alcoólicos que seus primos portugueses, são respeitados até pelas empresas do Douro.

A Região do Vale do Rio Breede também produz fortificados, assim como destilados e espumantes. O Distrito de Robertson se destaca pela qualidade de seus produtores e o bom nível dos vinhos de cooperativas, forte em Chardonnay para brancos e espumantes, mas também cada vez mais em tintos.

O Distrito de Worcester (foto) é a maior área de vinhedos do país, responsável por 25% da produção total de vinhos, a maior parte utilizada em destilados. Bons produtores de vinhos a serem citados são Axe Hill, De Krans Wine Cellar, Graham Beck Wines e Springfield Estate.

A região da Península do Cabo abrange o coração da indústria vinícola da África do Sul, especialmente pelo aspecto da qualidade, além de constituir um dos mais belos vinhedos do mundo. As principais estrelas são Stellenbosch e Paarl, ambas produzindo principalmente vinhos tintos. Não por acaso, são as duas regiões de mais variados mesoclimas, aspectos, elevações e tipos de solo. Constantia está recuperando o seu prestígio, com finos vinhos à base de Cabernet Sauvignon e Merlot (além do charmoso “Vin de Constance“), assim como Tygerberg e a mais recentemente cultivada Cape Point.

Stellenbosch (foto), com mais de cem vinícolas, produz 6,5% do volume total de vinhos da África do Sul, mas sempre esteve focada na qualidade, possuindo mais adegas privadas do que qualquer outra região do Cabo. Ali fica o principal centro de pesquisas e formação em viticultura da África do Sul (Nietvoorbij Research Center) e a matriz da Distell, a maior produtora de vinhos e destilados do país. O distrito já possui sete áreas demarcadas (“wards“): Simonsberg-Stellenbosch (a mais antiga e reputada), Bottelary (com predomínio de Shiraz), Vale Devon (Chardonnay e Cabernet Sauvignon), Vale Jonkershoek (Cabernet Sauvignon e Cabernet Franc), Papegaaiberg, Banghoek e Polkadraai Hills.

Algumas das principais vinícolas da região da Península do Cabo são Boekenhoutskloof, Fairview, Glen Carlou, Rupert & Rothschild Vignerons, Veenwouden Private Cellar e Welgemeend Estate (Paarl), De Trafford Wines, Jordan Wines, Kanonkop, Le Riche Wines, Meerlust Estate, Morgenster Estate, Muldeerbosch Vineyards, Neil Ellis Wines, Rustenberg Wines, Rust en Vrede Estate, Saxenburg, Thelema Mountain Vineyards, Vergelegen – fundada em 1700 por Willem van der Stel – e Villiera Wines (Stellenbosch), Klein Constantia Estate e Steenberg Vineyards (Constantia) e Cape Point Vineyards (Cape Point).

 

Além do maior intercâmbio entre os enólogos locais e os estrangeiros, os investimentos externos começaram a chegar à indústria vinícola sul-africana, embora ainda timidamente, sem a presença dos gigantes da indústria mundial de bebidas (exceto a Pernod-Ricard, que na África do Sul, até o momento, só produz destilados). A Cointreau, o Château Pichon-Longueville Comtesse de Lalande e a enóloga americana Zelma Long são alguns dos estrangeiros que realizaram investimentos em Stellenbosch, trazendo novas idéias e fomentando a exportação com os seus contatos nos países de origem.

 

 


 

CONCLUSÃO

Ainda há um longo caminho para o desenvolvimento da indústria vinícola da África do Sul. Especialmente quando se trata das cooperativas, é comum constatar pouco cuidado no manuseio das uvas durante e após a colheita, expondo-as ao calor mais do que o desejável e prejudicando a qualidade dos vinhos. Segundo os especialistas, o caráter oxidado e queimado de muitos dos mais caros vinhos sul-africanos é resultado desse manuseio descuidado, assim como vinhos brancos chatos e alcóolicos.

No entanto, os vinhos sul-africanos podem ser muito bons, especialmente se produzidos pelos melhores vinhateiros e com base em uvas mais adaptadas ao calor, como Sauvignon Blanc, Shiraz e Cabernet Sauvignon. O rápido desenvolvimento da vinicultura de alta qualidade, com base no crescimento dos investimentos em tecnologia, tem confirmado essa impressão.

 

Para assegurar esse desenvolvimento, alguns analistas entendem que falta abrir mais as mentes e garantir igualdade racial em todos os níveis. A Associação Negra da Indústria do Vinho e Destilados (BAWSI) desempenha, ao mesmo tempo, os papéis de reflexo da longa história de segregação racial e de instrumento para modificar essa cultura, que não se acaba do dia para a noite nem se extingue por força de lei. Algumas vinícolas incentivam os trabalhadores, geralmente negros, a comprarem vinícolas e montarem o próprio negócio, enquanto outras oferecem bolsas de estudo em vinicultura para jovens negros na Universidade de Stellenbosch. O primeiro negro a se formar enólogo na África do Sul foi Mzokhona Mvemve, diplomado em 1991.

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Fontes bibliográficas:

– Larousse do Vinho

– Guia Zahar

– Atlas Mundial do Vinho (Hugh Johnson e Jancis Robinson)

– A Bíblia do Vinho (Karen MacNeil)

– Manual Didático do Vinho (Daniel Pinto)

– Segredos do Vinho (José Osvaldo Albano do Amarante)

 

Fotos e mapas: Wikipédia.

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