A primeira confraria de vinhos do Brasil
fundada em 1980


A Itália e sua Cultura Vinícola

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por Rodrigo Mammana.

Juntamente com a França, um dos maiores produtores mundiais, a Itália chega algumas vezes a produzir mais de 60 milhões de hectolitros em um ano. No início dos anos 90, a Itália possuía 1,4 milhões de hectares de vinhas, porém com a norma europeia de reduzir a quantidade de vinhas plantadas, essa área foi diminuída para 856 mil hectares em 2004.

Normalmente a Itália exporta mais vinhos do que qualquer outro país da Europa, sendo grande parte produtos baratos utilizados para blends e exportados principalmente para Alemanha e França.

Diferentemente da França e Espanha, as vinhas são cultivadas praticamente em todas regiões da península italiana, desde os Alpes no norte até as ilhas próximas à África. A viticultura está enraizada na consciência nacional, na sua imaginação e em seu dia a dia. Até os anos 80 era inconcebível para um italiano sentar para comer sem um vinho à mesa.

A relação do italiano com o vinho não é necessariamente hedonista. O italiano normal está longe de ser um “connoisseur”, e sim apenas um herdeiro de milhares de anos do cultivo das vinhas e produção de vinhos.

O resultado é chamado de “paradoxo italiano”: Um país com imensa tradição em vinhos, onde as legiões romanas espalharam a viticultura por todo oeste da Europa,  em que o vinho é onipresente na vida e nos costumes da nação, acaba tendo o vinho “tirado” da consciência nacional. A maioria dos italianos não sabe e nem quer saber como as uvas cresceram e foram transformadas em vinho.

Enquanto a França e Alemanha desempenharam o papel principal no início da era da vinificação moderna, onde os vinhos circulavam em garrafas com rótulos indicando a procedência e o produtor, na maior parte da Itália (exceto Piemonte, Toscana e algumas regiões isoladas) era sempre vendido a granel mesmo depois da Segunda Guerra Mundial. Pouquíssimos vinhos eram exportados até 1970, sendo que parte significante deles eram destinados às grandes colônias de imigrantes italianos no norte da Europa, Estados Unidos e América do Sul (a Argentina, por exemplo era um dos maiores mercados de Barolo logo após a Segunda Guerra).

Conhecimentos sobre a viticultura e enologia de vinhos não-italianos é praticamente inexistente na Itália, sendo que a circulação de vinhos estrangeiros é limitada para as elites de grandes cidades. O livro de Luigi Veronelli escrito no final dos anos 50 foi o primeiro sobre vinhos italianos em geral em mais de 350 anos, desde a obra de Andrea Bacci em 1595. Até mesmo no início dos anos 90, a apreciação de vinhos era uma atividade com pouca significância para os italianos.

Considerar a história do vinho na Itália é considerar a história da própria Itália. Vinho e a civilização italiana são praticamente sinônimos. Os antigos gregos já conheciam a importância da viticultura na península quando batizaram a região de “Enotria”, ou “ Terra dos Vinhos” .

Piemonte – Barbera

Ao lado das DOC mais conhecidas como Barbera d’Asti, Barbera d’Alba e Barbera Del Monferrato, existem algumas apelações menos conhecidas como Rubino, Gabiano e Colli Tortonesi no extremo sudeste do Piemonte.

A Barbera é a uva mais plantada no Piemonte, contabilizando mais de 50% das DOC de vinhos tintos da região. Sem dúvida é a mais adaptável e vigorosa das três principais castas tintas do Piemonte, fazendo com que acha uma ampla gama de estilos. Mesmo nas zonas DOC específicas, a barbera tende a variar muito, desde notas frescas de cerejas, acidez marcante e leve rusticidade até vinhos ricos, robustos e aveludados. Muito disso depende de onde o produtor escolheu plantar as uvas e também as técnicas de vinificação empregadas.

Obviamente isso é verdade em qualquer vinho, porém a Barbera é um caso interessante de estudos sobre como uma uva reage a diferentes solos, climas e técnicas.

Normalmente vinhos  Barbera possuem elevado nível de acidez natural e relativamente poucos taninos, possuindo uma coloração rubi profunda. As variações são os níveis de extração de fruta e os diversos níveis de taninos provenientes dos estágios em tonéis de carvalho.

Provavelmente a mais notável característica dos Barbera “modernos” é o peso do extrato de fruta que se percebe no palato. O Barbera de hoje em dia é muito mais intenso e encorpado que os do passado.

A maioria dos produtores de Barolo e Barbaresco possuem pelo menos um rótulo de Barbera D’Alba ou D’Asti, sendo que muitos deles são de vinhedos únicos com estrutura e preço que podem chegar a equiparar com alguns Barolos.

Sangiovese

Encontrada por toda Toscana e muitas outras regiões, a sangiovese recebe diferentes nomes em vários locais: prunollo gentile em Montepulciano, brunello em Montalcino, morellino perto de Grosseto, todas consideradas cepas individuais da Sangiovese. Genericamente  essas subvariedades caem em duas categorias básicas: as de bagos grandes (sangiovese grosso, que incluem a prugnolo e brunello), e outra de bagos pequenos, sangioveto, a versão de Chianti.

Alguns dizem que a casca espessa da sangiovese grosso é o que dá aos brunello sua tanicidade marcante e capacidade de envelhecimento. Outros dizem que tratar a brunello ou prugnolo como variedades distintas não faz sentido, pois as diferenças de personalidade por causa da mesma uva ser plantada em locais diferentes. O que todos concordam é o caráter único da variedade: Na sangiovese você não tem apenas o aroma e sabor de cerejas negras como também nota características totalmente típicas de vinhos da Toscana. Um bom Chianti, Brunello di Montalcino ou Vino Nobile di Montepulciano, possui notas de bosque, defumados e  cerejas da floresta; as notas de especiarias e vegetação rasteira se misturam com a doçura da fruta.

Sangiovese é muito vigorosa (precisa ser bem podada para concentrar a fruta), sensível ao seu meio ambiente e apresenta dificuldade para amadurecer completamente ( esse o motivo dos Chiantis à moda antiga terem uma “pegada” de acidez bastante marcante). A variedade também possui baixo nível de antocianos (fenóis naturais presentes na casca da uva e que dão a cor ao vinho), sendo o Brunello uma exceção. É por isso que algumas variedades menos conhecidas, tais como canaiolo e colorino entravam nos cortes dos antigos Chianti, e também o motivo da cabernet sauvignon e merlot terem se tornado importantes na Toscana nos últimos 30 anos. Observando o cenário atual do vinho na Toscana, são essas três – a perfumada sangiovese, a potente cabernet sauvignon e a aveludada merlot, sozinhas ou combinadas são as que melhor definem a região.

Umbria – Sagrantino

A Umbria é essencialmente uma extensão da Toscana, emparedada em três lados pelos Apeninos mas atravessada por inúmeros rios e córregos, incluindo o grande Rio Tibre que divide a região antes de descer para Roma. É difícil de acreditar que a tão protegida Umbria pode sentir os moderados efeitos do mar, mas o Tibre funciona como um funil que carrega correntes mornas do Mediterrâneo. Além disso as brisas frias dos Apeninos exercem bastante influência.

Uma área de crescente interesse é Montefalco, uma cidade próxima a Torgiano onde uma pequena comunidade de produtores faz um dos mais cultuados vinhos da Itália: o rico, apimentado e encorpado Sagrantino di Montefalco.

Os vinhos de Montefalco são divididos em dois. O básico Montefalco Rosso DOC é um corte de sangiovese(60 a 70%), com um mínimo de 10% de sagrantino e o restante preenchido com uvas à escolha do produtor. Já o Sagrantino di Montefalco DOCG é elaborado 100% com uvas sagrantino. Em 1992 foi elevado à categoria DOCG, tornando oficial o que a maioria dos produtores já sabia: que o denso, escuro e intenso Sagrantino não possui nada parecido em toda Itália.

O solo da região é argiloso com algum calcário e areia. Seus vinhos tem aromas de frutas negras em geleia, alcatrão e pinho. Ele é mais tânico que a sangiovese e possui alto teor de polifenóis, conferindo muita cor. Seu potencial de guarda é imenso. O único problema do Sagrantino é que só existem 160 hectares plantados, o que torna difícil encontrá-los.

Veneto – Valpolicella

Valpolicella possuiu por muito tempo uma péssima reputação. Entretanto o consumidor atento pode encontrar atualmente uma enorme quantidade de rótulos interessantes. Na verdade, enquanto o Soave é o vinho mais menosprezado da Itália, o Valpolicella é o mais subestimado.

A zona do Valpolicella é frequentemente descrita como uma “mão aberta”, sendo que os “dedos” começam no Monte Lessini alcançando o norte de Verona e se espalhando para o sul. As longas montanhas cobertas de vinhedos são repletas de riachos que passam por Verona em busca do rio Adige.

Valpolicella possui uma zona histórica denominada “Classico”, que se inicia na comuna de Sant’Ambrogio no oeste até Negrar no leste. As áreas externas à zona “Classico” – Valpantena, Squaranto, Mezzane e vale de Illasi, todas ao leste, são extensões naturais da zona. Elas faziam parte da DOC quando criada em 1968, e hoje em dia existem produtores importantes tanto dentro quanto fora da zona delimitada. Devido à produção em massa de vinhos de qualidade duvidosa, muitos bebedores de  hoje em dia ignoram a região.

Valpolicella, que  significa “vale de muitas adegas”, hospeda uma série de uvas tintas que raramente são encontradas fora da região. Corvina, uma variedade bastante escura e com casca grossa, é a principal casta utilizada nos Valpolicella, sendo a espinha dorsal do blend com seus firmes taninos com notas ricas, defumadas e cerejas vermelhas (existe uma versão de bagos maiores chamada corvinone, que algumas pessoas pensam ser uma subvariedade assim como brunello é uma subvariedade da sangiovese).

Outra casta chave é a rondinella, de coloração profunda e considerada mais aromática que a corvina. Após essas duas, que representam no mínimo 60 % e frequentemente muito mais, a lista de ingredientes é muito variada: Existe a Molinara, de elevada acidez e que está desaparecendo aos poucos; raridades locais como a croatina, negrara, dindarella (normalmente utilizadas como um “leve tempero”), além das variedades internacionais merlot e cabernet sauvignon.

Montepulciano d’Abruzzo

Abruzzo é a quinta região mais produtiva da Itália. Sua produção anual é quase o dobro da Toscana, mesmo tendo ela quase o dobro da área plantada. Apesar dos Abruzzesi terem criado uma marca de vinhos engarrafados enquanto seus vizinhos não, eles mantiveram a cultura de produção em massa. A indústria local é dominada por cooperativas gigantes, tais como Cantina Tollo, Casal Thaulero, Casal Bordino, e Citra (o vinho mais utilizado pela companhia aérea Alitalia), e que representam 80% da produção total da região.

Os vinhos tintos de Abruzzo variam bastante. Na maior parte das vezes são leves e agradáveis, porém também se encontra vinhos robustos e difíceis. Isso é comum na uva montepulciano, a casta dominante tanto aqui quanto em seu vizinho Marche, onde é utilizada no Rosso Conero.

A DOC Montepulciano D’Abruzzo foi estabelecida em 1968 e cobre praticamente toda região. Esforços estão sendo feitos para identificar áreas superiores para denominações mais específicas.

Generalizando, os melhores montepulcianos são provenientes do norte de Abruzzo, onde os Apeninos chegam mais próximos ao mar. Nos pés das montanhas ao redor de Teramo, os solos são mais pobres, uma mistura de ferro, argila e calcário. Nessa região os vinhedos são mais elevados, resultando em microclimas mais frios quando comparados aos do sul, na província de Chieti. A maior parte das cooperativas estão situadas no quente e fértil extremo sul de Abruzzo, enquanto a maioria das vinícolas pequenas e privadas ficam bem ao norte, quase na fronteira com Marche. Dos 500 mil hectolitros de Montepulciano D’Abruzzo produzidos por ano, dois terços são da província de Chieti.

Em anos recentes duas novas denominações foram criadas para ajudar a distinguir os montepulcianos do norte dos do sul. Produtores que procuram uvas da área próxima a Teramo podem utilizar a denominação Colline Terramane(criada em 1995 e elevada a DOCG em 2003). Aqueles que optarem pela área bem menor de Controguerra pode utilizar a denominação Montepulciano D’Abruzzo DOC ou então a Controguerra DOC se preferir.

A uva Montepulciano possui coloração profunda, com taninos doces naturais e baixa acidez, dando aos vinhos um caráter de fruta delicado que o torna acessível quando jovem. É um vinho que pode ser bebido jovem e também com 10 anos de vida. No seu melhor, os vinhos Montepulciano são púrpura bastante profundos em sua cor e quase xaroposos na textura, com notas de frutas negras e algum toque terroso.

Sicília – Nero D’Avola

Assim como sua vizinha Calábria, o melhor exemplo para explicar a Sicília são os “latifondo”, o sistema de distribuição de terra e relações agrícolas que domina o sul da Itália há séculos.

O norte da Itália se caracteriza pela “mezzadria”( parceria na colheita) onde o camponês ao menos possui algo na terra em que cultiva. Nas fazendas do sul da Itália a situação é muito mais opressiva. Particularmente, a Sicília é dominada por um pequeno número de grandes latifundiários, na maior parte de famílias nobres, onde os camponeses não passam de simples serventes.

Após a Itália se tornar república em 1946, o novo governo tentou reverter os efeitos do latifúndio através da reforma agrária nos anos 50. Diversas propriedades foram desapropriadas e redistribuídas para os camponeses, fazendo surgiremos Cantinas Sociales (cooperativas).  O movimento das Cantinas ganhou força com o fracasso da reforma agrária (as áreas distribuídas eram muito pequenas, então o governo incentivou a criação das cooperativas). Essa legião de cooperativas começou a exportar uma enorme quantidade de vinhos a granel para o norte, principalmente França, que havia perdido seu suprimento da Argélia com sua declaração de independência em 1962.

O resultado das cooperativas foi uma enorme quantidade de dinheiro gasta, uma comunidade de pessoas não-profissionais saindo do negócio, nenhum empreendedorismo e qualidade inexistente. Além disso há alguns anos a União Européia cortou os subsídios, então a maioria das cooperativas estão falidas ou em dificuldades financeiras.

O colapso das cooperativas permitiu o surgimento de grandes investimentos privados nos vinhedos e nas vinícolas. A Sicília é um dos poucos lugares na Itália onde existe terra à venda a um preço razoável. Empresas conhecidas estão comprando grandes áreas na Sicília, tais como o grupo Zonin do Veneto e  o Hardy’s Wine Conglomerate da Australia.

Hoje em dia estão chamando a Sicília de “Califórnia ” da Itália. Uma boa safra , em alguns lugares do mundo é um milagre. Na Sicília, não existe chuva após fevereiro; possui calor intenso e muito sol. Está sempre ventando e seco, portanto não há problemas com apodrecimento. É possível fazer bons vinhos todos os anos.

Enquanto a Sicília continua produzindo vinhos brancos em sua maior parte (estatística ” puxada” pelo Marsala), o real interesse nos dias de hoje está nos tintos, principalmente da uva Nero D’Avola, que pode ser vinificada sozinha ou utilizada em blends com merlot, cabernet sauvignon e principalmente syrah, cuja qual é freqüentemente comparada.

A nero D’Avola é uma uva de casca fina e suscetível à podridão, além de ser uma casta de amadurecimento tardio (ela amadurece 20 dias depois da cabernet).

No sudeste da Sicília a uva frappato (com suas notas de morangos) é cortada com a Nero D’Avola para produzir os vinhos da denominação Cerasuolo di Vittoria DOC

É muito difícil apontar precisamente as características da Nero D’Avola. Genericamente é escura, com aromas de muita fruta negra e notas de violetas. É encorpado, bem estruturado, taninos firmes. Muitos degustadores experientes a comparam com a Syrah.

Fonte: Oxford Companion to Wine

Vino Italiano: The Regional Wines of Italy

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